Hidrovia Paraguai-Paraná entra no radar de disputas de poder entre EUA e China

RODOLFO CÉSAR, DE CORUMBÁ
O modal de transporte aquaviário no Rio Paraguai, que se conecta ao Rio Paraná e, mais adiante, ao Rio da Prata, próximo ao Oceano Atlântico, liga Bolívia, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai e passou a integrar, neste ano, um contexto econômico marcado por monitoramento e disputas de influência entre Estados Unidos e China.
As iniciativas de infraestrutura para garantir a navegabilidade permanente da hidrovia no trecho que passa por Mato Grosso do Sul se conectam a obras em andamento nos demais países, viabilizando um corredor estratégico para o transporte de commodities.
Neste ano, enquanto avançam as discussões sobre a concessão do trecho sul-mato-grossense da hidrovia no Pantanal, EUA e China passaram a concentrar suas atenções em áreas da Argentina, na região de Rosário, e do Paraguai, nas proximidades de Villeta, município a cerca de 30 quilômetros de Assunção.
Com 3,2 mil km de extensão, sendo aproximadamente 600 km no trecho entre Corumbá e a Foz do Rio Apa, foco do projeto de concessão, a hidrovia conecta mais de 100 portos, 5 deles em Mato Grosso do Sul. O volume transportado supera 100 milhões de toneladas por ano, envolvendo minério de ferro e manganês, extraídos em Corumbá e Ladário, e soja brasileira, além de milho, minerais, como lítio e cobre, e gás natural de diferentes regiões da Argentina, incluindo Vaca Muerta.
O corredor entrou definitivamente no radar dos negócios globais por seu potencial de escoar até 40% da demanda mundial de grãos em cinco anos, segundo estudos da Bolsa de Comércio de Rosário. Além disso, há projeção de ampliação do transporte de minério de ferro para até 25 milhões de toneladas anuais até 2030. A matéria-prima extraída em Corumbá apresenta teor superior a 65% de ferro, o que agrega valor no mercado internacional.
Nesse contexto, a LHG Mining, responsável pelo maior volume de exportação do minério, estuda a incorporação de um sócio estrangeiro. Neste ano, a produção deve ser fechada em 12 milhões de toneladas. Do lado boliviano, a exploração mineral na região de Mutum, na fronteira com o Brasil, também depende fortemente da hidrovia, especialmente por meio do porto de Puerto Quijarro.
O aumento progressivo da oferta de commodities exportáveis e as previsões de obras para assegurar navegação contínua em trechos do Brasil, do Paraguai e do Argentina fortaleceram a imagem do eixo Paraguai-Paraná como área de interesse global.
O analista internacional Gregory Ross, especializado em comércio no Cone Sul, avalia que a hidrovia já está no centro de uma disputa de poder entre Estados Unidos e China, com vantagem, no momento, para a presença chinesa na América do Sul.
“No ano passado, o Rio Paraguai atingiu recorde de nível baixo, o que causou um prejuízo estimado em US$ 300 milhões [cerca de R$ 1,65 bilhão] na economia do Paraguai. A combinação de vulnerabilidades e valor estratégico está atraindo atores externos. Beijing segue expandindo seu acesso na América do Sul para a agricultura e recursos minerais. As empresas chinesas estão buscando espaço, como a inauguração do Porto Chancay, no Peru, investimento de US$ 3,5 bilhões [em torno de R$ 19,3 bilhões], e o plano de ligar essa estrutura ao Brasil por trilhos”, analisou Ross, em artigo publicado na Americas Quarterly.
Segundo o analista, essa disputa global também abre espaço para rearranjos de poder entre países da região, o que pode reduzir o protagonismo brasileiro.
“Hoje, toda essa demanda depende de diplomacia, conhecimento técnico e investimentos direcionados. O Paraguai, por exemplo, ofereceu aos EUA um porto no modelo ganha-ganha, para elevar a influência regional paraguaia”, acrescentou Ross.
Enquanto a China atua na Argentina por meio da Shanghai Dredging Co., subsidiária da China Communications Construction Company, empresas norte-americanas com experiência no Rio Mississippi realizam estudos entre Concepción e Assunção para dragagem e ampliação do canal. O U.S. Army Corps of Engineers já apresentou propostas técnicas ao Paraguai para garantir navegação durante todo o ano.
LADO BRASILEIRO
No Brasil, em meio à disputa internacional, os interesses permanecem concentrados no território nacional. O governo federal atua para viabilizar a transferência à iniciativa privada do trecho da hidrovia em Mato Grosso do Sul. A concessão, inicialmente cogitada para este ano pelo Ministério de Portos e Aeroportos, deve ser debatida apenas em 2026.
A etapa atual depende da análise do Tribunal de Contas da União (TCU), que entrou em recesso no dia 15 e retoma os trabalhos em 16 de janeiro. O processo está sob relatoria do ministro Benjamin Zymler e não tem prazo definido para conclusão.
Trata-se da primeira concessão hidroviária do País, ainda sem referências consolidadas nos campos jurídico, tarifário, técnico e ambiental.
Como 2026 será ano eleitoral, a expectativa nos bastidores é de que, mesmo se aprovada, a concessão só avance efetivamente a partir de 2027.
Foto : Rodolfo César
Correio do Estado





